No corredor da morte, motociclistas são vítimas e carrascos.

Há males que vêm para o bem, diz o dito popular.

No plantão de quinta-feira (07), pela manhã, enquanto minha motocicleta passava por uma manutenção, participei de um chat promovido pela Perkons, onde especialistas discutiram propostas de alterações no CTB.

Um dos temas abordados foi a proibição da circulação de motocicletas entre veículos. Na promulgação do atual CTB, acabou vetado o artigo que proibia expressamente esta prática. Ainda assim, entendo que a prudência e a lei não a autorizam, embora ela seja rotineira.

À tarde, nossa equipe foi para a Dutra, no trecho da Baixada, em apoio aos colegas da 6ª Del (Pavuna). Quem conhece, sabe como este trecho vive engarrafado, no horário do rush, devido às obras da concessionária e ao volume do tráfego.

Um pouco após a Via Show, no Km 167 da pista central, abordamos dois motociclistas, e nenhum era habilitado. Enquanto providenciavam condutores habilitados, fomos parando outros. Mais irregularidades, preenchimento de multas, consultas aos sistemas.

Em um dado momento, motoristas começaram a encostar, para avisar de um acidente com um... motociclista, na pista lateral, cerca de 200 metros atrás. O trânsito, nesta hora, estava muito lento. Conseguimos avistar, de longe, um corpo no chão, gente em volta:

Voltamos de ré com a viatura. Local sinalizado, ronda do trecho e equipes de socorro acionadas, passei a analisar o acidente. Pelos vestígios, deu para deduzir a dinâmica, mas fui conferir com o condutor do carro: “fui mudar de faixa, ele veio pelo corredor e acabamos batendo”.

Lembrei-me do debate virtual, pela manhã, onde a questão havia sido levantada.

Recordei os vários acidentes atendidos, envolvendo motociclistas em comportamentos de risco, em meus quatro anos na Rio-Santos. Rodovia litorânea, ela enche em feriados e finais de semana ensolarados. Para superar os congestionamentos, motociclistas imprudentes fazem o malfadado “corredor”.

Como a via só tem uma faixa em cada sentido, sem canteiro central, uns ultrapassam pela direita (pondo em risco quem está no acostamento), outros pela esquerda (duelando com os carros em sentido contrário).

O resultado era inevitável.

Pedestres, ciclistas e motoristas, ao cruzarem a pista com o fluxo parado, eram surpreendidos pelos motociclistas apressados. Quando o choque era contra pedestres e ciclistas, estes levavam a pior. Os motociclistas ficavam gravemente feridos ou mortos, geralmente, quando colidiam contra veículos.

A cena era comum: você chegava, via a lateral do carro amassada, manchas de sangue espirradas em sentido transversal no teto, uma motocicleta destruída, e ouvia: “a fila de carros parou, eu fui cruzar a pista, veio o motoqueiro cortando por fora e bateu na gente”.

Voltando à Dutra...

No final da madrugada, retornamos para reforçar o policiamento no início do trecho, e ficamos baseados no Km 164, em frente a uma das saídas de Vigário Geral.

Lá pelas 7 da manhã, amanhecendo, faltando uma hora para o final do plantão, de repente, outro acidente. Quem está caído no meio da pista, cerca de 100 metros à nossa frente? Um motociclista:

Local sinalizado, ronda do trecho e equipes de socorro acionadas... Incrível! A mesma cena, os mesmos vestígios, a mesma dinâmica: ao mudar de faixa, um táxi colidiu com a motocicleta, que vinha pelo corredor.

Várias coisas passaram-me pela cabeça: o primeiro acidente; o custo médio de cada acidente com vítimas, em torno de R$ 90 mil (IPEA, dados de 2006); o debate no dia anterior; o presidente da Associação Brasileira de Motociclistas (ABRAM), que disse em artigo recente nunca ter presenciado um acidente de moto no corredor...Eu também nunca vi um assassinato, mas não posso contrariar as estatísticas, e negar que milhares de brasileiros são vítimas da criminalidade.

Quando fazemos escoltas, normalmente temos que buscar as autoridades no Centro ou na Zona Sul, logo pela manhã. A Avenida Brasil, neste caso, é o trajeto mais usual, entre nosso setor e o local de embarque.

Raro é o dia em que, durante o deslocamento, não vemos motociclistas acidentados. No último trabalho (visita do Presidente Lula, semana passada), houve um deslocamento em que vimos dois acidentes. Já paramos deslocamentos para providenciar socorro e sinalização, mais de uma vez.

A proliferação de motocicletas no trânsito brasileiro decorre de vários fatores.

O transporte público é ineficiente. Faltam investimentos em infraestrutura viária. O delivery se expande, em metrópoles apressadas e violentas. O crédito fácil e farto das revendedoras seduz jovens não habilitados. A impunidade e permissividade no âmbito municipal os encoraja.

A lista é grande. A responsabilidade é de todos nós.

Como motociclista e policial, constato diariamente, in loco, a relação direta entre os comportamentos de risco e a gravidade ou letalidade, nos acidentes com motociclistas.

Um dos comportamentos mais arriscados e comuns, pela minha experiência de vida e profissional, é a circulação de motocicletas fora da faixa de rolamento, trafegando pelo corredor.

Suas vítimas são os próprios motociclistas, ciclistas, pedestres... qualquer um que tenha o descuido de desafiar os velozes e furiosos que, a despeito das convenções internacionais e normas de segurança viária, não estão onde todos os veículos deveriam estar: na faixa de rolamento.

No "corredor da morte", motociclistas são vítimas e carrascos.

A sociedade precisa escolher, com prudência e consciência, entre interesses conflitantes. O que vale mais? A pizza chegar em quinze minutos, ou a saúde e a vida de milhares de vítimas de acidentes?

Aos interessados no assunto, defensores ou opositores da proibição em tela, recomendo o excelente artigo "O corredor", postado semana passada no blog do Eduardo Biavati, especialista em segurança no trânsito. Ao final, há um espaço para comentários. Vá lá, e dê sua opinião.